MANIPULAÇÃO DE MACRONUTRIENTES NA DIETA E EFEITOS METABÓLICOS DA INSULINA (DUDU)

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VB, IG, frutose, gorduras saturadas e colesterol

Muito se fala em considerar a importância do valor biológico (VB) das proteínas, controlar o índice glicêmico (IG) e a quantidade de frutose dos carboidratos, restringir a quantidade de colesterol e gorduras saturadas na dieta. No entanto, o padrão de recomendação desses macronutrientes pode ser alterado de acordo com o contexto da dieta e também do metabolismo do indivíduo. Pode-se dizer que as recomendações nutricionais baseadas na IDR (ingestão dietética de referência) podem ser úteis para maior parte da população se o objetivo é apenas prevenir deficiências, manter boa saúde e um crescimento adequado, desde que também consideremos que esse indivíduo não está acima do peso com objetivo de emagrecimento por exemplo, pois ao alterar sua dieta seguir a IDR pode ser de pouca utilidade e ineficiente.

Aqui no entanto vou focar em indivíduos que não apenas desejam perder peso, mas otimizar sua composição corporal, seja com objetivo de ganhar massa muscular, seja com objetivo de perder gordura. Em ambas as situações o que se deseja é manter ou ganhar massa magra e perder ou manter o percentual de gordura controlado, mantendo boa saúde.

Em uma dieta hipercalórica, rica em carboidratos normalmente, o VB biológico das proteínas tem pouca relevância (no sentido que você não precisa se preocupar em comer grandes quantias de proteína de alto VB), enquanto o consumo de frutose, alimentos com alto IG e gorduras saturadas tende a ter um menor impacto na saúde ou na perda de peso em dietas hipocalóricas pobre em carboidratos, como dieta cetogênica. Vou explicar cada um desses pontos mais detalhadamente, mas posso adiantar que a insulina é um hormônio chave para entender essas diferenças entre mudança na proporção de macronutrientes, ingestão calórica e mudanças no perfil metabólico do indivíduo.



A insulina é um hormônio anabólico por excelência, ela favorece a síntese de proteínas e lipídios (triglicerídeos, colesterol), aumenta a captação de glicose pelas células, também diminui a degradação de proteínas e inibe a lipólise (quebra triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol), inibe também a oxidação de ácidos graxos (queima de gordura). Sendo assim, um maior consumo de carboidratos na dieta acaba por ter um efeito poupador de proteína e gordura, tanto por ser usado prioritariamente como fonte de energia pelo organismo, como também por elevar os níveis de insulina. A redução dos carboidratos da dieta e consequentemente a redução dos níveis de insulina acabam por levar a um aumento da degradação de triglicerídeos e proteínas, assim como reduzir os processos de síntese dos mesmos. Delineado esse quadro, podemos entender melhor agora porque a aplicabilidade de certos conceitos (VB e IG), assim como a restrição e aumento de determinados macronutrientes tem impactos deferentes em contextos de dieta diferenciados, como é o caso da frutose e das gorduras saturadas.

VALOR BIOLÓGICO:

Proteínas de alto VB só fazem realmente diferença em pessoas subnutridas, dietas pobres em proteínas ou em atletas/indivíduos com alta restrição calórica. Os dados sobre VB são obtidos justamente nessas condições. “Qualidade da proteína é medida sob condições de baixa ingestão porque a aplicação primária de qualidade da proteína tem a ver com garantir nutrição adequada para as pessoas que não têm comida suficiente” (Lyle McDonald). Se você está num saldo calórico positivo, em uma dieta rica em carboidratos, seu corpo irá degradar menos proteínas, e isso se chama efeito poupador de proteína dos carboidratos. Absorção de proteínas de baixo VB é facilitada em uma situação assim. Isso significa que você não precisa se preocupar em comer grandes quantidade de carne, ovos ou proteínas em pó em uma fase de ganho de massa, que é uma ideia equivocada quando se pensa em ganhar massa muscular, porque associa apenas proteína ao anabolismo. Esse tipo ideia ingênua ignora a interação entre nutrientes e as condições metabólicas do organismo.

ÍNDICE GLICÊMICO:

Alimentos de alto IG elevam a glicemia e consequentemente a secreção de insulina, no entanto atribui-se ao IG de 49% a 79% da variabilidade da resposta insulinêmica pós-prandial. Sendo assim, a utilização do índice glicêmico como preditor da insulinemia requer cautela. Além do IG é importante considerar a quantidade de alimento no impacto da glicemia pós-prandial, que é considerado pelo conceito de carga glicêmica (CG), que representa o produto do IG do alimento e do seu conteúdo de carboidrato (CG = (IG x quantidade de carboidrato) / 100). Assim, um alimento como a melancia, que tem um alto IG (72), tem uma baixa CG, pelo baixo conteúdo de carboidratos na porção. Logo a resposta insulinêmica da pela CG é mais relevante que o conceito de IG, quando se avalia um alimento isoladamente. Uma avaliação exaustiva de ensaios de intervenção humanos não encontrou nenhuma diferença significativa na perda de peso média entre dietas de baixo e alto índice glicêmico. Em conclusão, o atual corpo de evidências de pesquisa não indica que alimentos com baixo IG são superiores aos alimentos com alto IG em relação ao tratamento da obesidade. Alguns alimentos com alto IG (como a melancia, batata inglesa) também possuem baixa carga glicêmica (o que remete a uma menor resposta à insulina), enquanto alguns alimentos de baixo IG (leite, feijão cozido, iogurte) elevam a resposta à insulina. Co-ingestão de proteínas e gorduras pode tanto baixar o IG da refeição, como, potencializar a resposta à insulina, dependendo também da combinação e modo de preparo da refeição. De qualquer forma, não podemos ignorar que em uma dieta para ganho de peso, o IG dos alimentos pode ser relevante, principalmente quando consideremos o saldo calórico total e a resposta à insulina individual (sensibilidade/resistência à insulina). Além do que a escolha dos alimentos em relação ao IG pode ter impactos diferentes na saúde, principalmente de diabéticos.



FRUTOSE:

Boa parte dos malefícios à saúde associados à frutose não podem ser dissociados de dietas ricas em carboidratos (normalmente hipercalóricas), uma vez que o metabolismo da frutose é controlado em parte por glicose, e observar também que boa parte da frutose na dieta ocidental está associada ao consumo de sacarose e xarope de milho, contido nos alimentos (doces, refrigerantes). Em particular, o efeito da adição de frutose vs glicose a uma dieta cuja composição já é elevada em carboidratos é sensivelmente diferente daquele em que existe poucos carboidratos no total de calorias. Efeitos específicos de frutose provavelmente representam efeitos cinéticos – produção mais rápida de produtos intermediários a partir de frutose – mas estes podem também depender das condições individuais, relacionados a idade ou genética (mulheres pós-menopausa, homens hiperinsulinêmicos e diabéticos tipo 2). Outro ponto importante na regulação do metabolismo da glicose e da frutose é o papel da insulina, já que esse hormônio tem importante papel na no aumento da expressão de enzimas lipogênicas e armazenamento de gordura. Em uma dieta pobre em carboidratos baixos níveis de insulina aumentam a lipólise (quebra de triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol) e oxidação de gorduras, e também aumentam a gliconeogênese (formação de glicose à partir de aminoácidos, glicerol ou lactato). Hipertrigliceridemia induzida por carboidratos e seu outro lado da moeda, redução dos triglicerídeos pela restrição de carboidratos na dieta, são fenômenos bem estabelecidos. O efeito é geralmente atribuído ao aumento do fluxo de insulina, que inibe a lipólise e a redução em glicerol-3-fosfato para fornecer substrato para a síntese. Os efeitos de se comparar frutose e glicose nos níveis de triglicerídeos fazem sentido, desde que isso seja no contexto de uma dieta rica em carboidratos, já que a velocidade e regulação de ambas as vias são diferenciadas apesar de convergirem em um mesmo ponto, as trioses fosfato DHAP e gliceraldeído.

GORDURAS SATURADAS E COLESTEROL:

Geralmente o maior problema na ingestão de colesterol no sangue tem a ver com a ingestão de gordura saturada. Os ácidos graxos saturados aumentam e os ácidos graxos poliinsaturados (ômega 3 e ômega 6) diminuem a concentração de colesterol no plasma, sendo que o ácido graxo monoinsaturado (ácido oléico) e o ácido esteárico saturado são neutros. No entanto, é preciso esclarecer que biossíntese do colesterol ocorre no citosol da célula à partir do acetil-Coa (o intermediário comum do metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídios). Isso acontece em uma situação em que os níveis energéticos estão normais (razão ATP/ADP normal), e quando existe uma boa oferta de carboidratos na dieta. A insulina é o principal hormônio regulador da síntese de colesterol, pois ativa a enzima HMG-CoA redutase (enzima limitante para a biossíntese do colesterol), enquanto o glucagon e os glicocorticoides a inibem. Com a redução do saldo calórico e dos carboidratos a tendência é uma redução dos níveis de insulina e ATP, o que favorece a redução da síntese de colesterol e ácidos graxos e favorece a formação de corpos cetônicos (também formado à partir do acetil-CoA). Alguns estudos parecem indicar que dieta cetogênica (30% de proteína, 8% de carboidratos e 61% de gordura) não tem um efeito deletério sobre o perfil de risco de DCV (doença cardiovascular) e pode melhorar os distúrbios lipídicos característicos de dislipidemia aterogênica. Em uma dieta low carb uma maior ingestão de gorduras saturadas não seria problema, principalmente com déficit calórico e prática de atividade física. O impacto negativo das gorduras saturadas no perfil lipídico está associado principalmente à quantidade de carboidratos ingerida na dieta, e claro que isso tende a piorar em uma situação com saldo calórico positivo, ganho de peso, e maior resistência à insulina.

Como vimos, a insulina e os carboidratos tem um papel determinante na forma em que se manipula os macronutrientes e a relação dessa manipulação com o perfil metabólico do indivíduo, e quando o objetivo é otimizar composição corporal e manter ou melhorar a saúde é preciso considerar que a escolha dos alimentos é fundamental. Podemos ver claramente porque a preocupação de uma ingestão de proteínas de alto VB é muito mais relevante numa dieta hipocalórica do que hipercalórica, o mesmo valendo para suplementos proteicos e aminoácidos (whey,BCAA, glutamina, HMB etc), mesmo que eu não considere a ingestão desses suplementos relevantes, mesmo em low carb na maioria das situações. Podemos ver também que a preocupação com o consumo de frutose, gorduras saturadas e alimentos de alto IG é fundamental em dietas hipercalóricas ricas em carboidratos, e muito menos relevante em dietas hipocalóricas pobre em carboidratos, pois os efeitos do consumo de carboidratos e da insulina modificam os efeitos dos nutrientes no metabolismo, pois atuam regulando a síntese de triglicerídeos, colesterol, a lipólise e a oxidação de gordura.



abraços, Dudu Haluch

REFERÊNCIAS:
Bioquímica Ilustrada, Harvey & Ferrier, 5ª edição.
Valor biológico das proteínas no contexto da dieta (DUDU)
CARBOIDRATOS na DIETA: frutose, IG e sensibilidade à insulina (DUDU)
FRUTOSE no contexto da DIETA (DUDU)
COLESTEROL E O CONTEXTO DA DIETA (DUDU)




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